«Era maravilha de veer, que tanto esforço dava Deos neles, (...)
que os castelos que os antigos reis, (...) nom podiam tomar,
os poboos meúdos, mal armados e sem capitam, com os ventres ao sol,
ante de meo dia os filhavam por força.»
Fernão Lopes
in Crónica d’El Rei D. Joao I
Tendo consciência do que o 25 de Abril significa para o povo português, o PS, mistificadoramente, agendou para a próxima semana, na Assembleia da República, a votação da ratificação do tratado para a União Europeia.
De forma cínica e hipócrita, o PS, mas igualmente o PSD e o CDS-PP, procuram utilizar as comemorações do 34.º aniversário da Revolução de Abril - momento da mais ampla emancipação e de exaltante afirmação da soberania e independência nacionais do povo português - para tentar dissimular as suas profundas responsabilidades na ratificação de um tratado da UE que frontalmente desrespeita e atenta contra a soberania e independência nacionais.
Recorde-se que estes agiram com igual despudor aquando da 6.ª revisão da Constituição da República Portuguesa, votada a 23 de Abril de 2004, dois dias antes do 30.º aniversário da Revolução dos Cravos.
Nessa indigna e vergonhosa revisão constitucional, como foi então firmemente denunciado, PS, PSD e CDS-PP inseriram no artigo 8.º o reconhecimento da «primazia» do direito comunitário sobre a Constituição da República Portuguesa, violando o seu espírito e a sua letra. Malgrado o seu desejo, a «constituição europeia» - que explicitava no seu articulado tal inaceitável princípio -, foi amplamente rejeitada pelos povos francês e holandês em 2005.
Um processo de classeEm flagrante desrespeito da vontade expressa por estes povos, as forças que estão no cerne da integração capitalista europeia procuram impor de novo o conteúdo do tratado anteriormente rejeitado, apelidando-o agora «de Lisboa».
No entanto, para gáudio e proveito dos grandes grupos económicos e financeiros nacionais e estrangeiros, bem podem PS, PSD e CDS-PP, através de artifícios jurídicos e da não realização do referendo, procurar manietar e subverter ainda mais a soberania do povo português que, em última instância, só a este compete e caberá exercê-la. A comprová-lo está esse momento maior da história colectiva do povo português, a Revolução de Abril.
Bem podem estes procurar amarrar Portugal a uma «integração europeia», na qual, após mais de vinte anos de falsas promessas, radicam as causas de alguns dos principais problemas com que os trabalhadores e o País são confrontados (desemprego, precariedade, baixos salários, pensões e reformas, pobreza e injustiças sociais, destruição e privatização de serviços públicos, desigualdades e dependência do estrangeiro). Os trabalhadores e o povo português saberão encontrar e construir os caminhos para conquistar de novo a sua emancipação.
Como temos salientado, a actual «construção europeia» não é inocente, inofensiva ou neutra. É a consolidação de um processo de classe que se faz, sem prejuízo de contradições, à medida dos interesses do capital e das potências capitalistas.
Cada nova etapa e «avanço» deste processo consolida e fortalece a criação de um «super-estado», de um poder político, económico e militar favorável ao grande capital e às grandes potências, para agudizar a exploração dos trabalhadores e o domínio sobre os povos, no quadro das suas relações de concertação/rivalidade com os EUA.
Com uma imensa alegriaAo contrário do que pretendem fazer crer PS, PSD e CDS-PP, a «União Europeia» é questionável, é evitável e não é o único rumo para a Europa. Os resultados dos referendos realizados em França e na Holanda ou o medo e a fuga à realização de novos referendos aí estão a demonstrá-lo.
Como afirmámos no nosso último Congresso, enganam-se aqueles que pensam que «face às sucessivas etapas que a “construção” da União Europeia vai consumando, o PCP deveria, contrariando os seus objectivos e convicções, render-se à inevitabilidade e irreversibilidade desses processos».
Para o PCP, a resistência e rejeição desses ditos «avanços» não impede, antes pelo contrário, que, franqueada uma etapa, se defina no quadro dos seus objectivos e ideais a «estratégia adequada para desenvolver a luta em defesa dos interesses nacionais, da paz e da justiça social na Europa e as iniciativas necessárias para responder às novas situações, com uma intervenção política que, sem negar a realidade, não se adapta nem se submete, antes procura criar as condições para a transformar».
Como temos acentuado, cabe aos patriotas e democratas, ao povo português mobilizar e organizar vontades para a necessária ruptura com esta «integração europeia», contrária à soberania e aos interesses nacionais, à causa do progresso e da paz na Europa e no Mundo. Uma ruptura que abra portas à retoma do projecto emancipador de Abril, por uma Europa de cooperação, de progresso e de paz!
Pedro Guerreiro